segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O jogo do ultimato

"Neste jogo, um investigador dá ao sujeito A a possibilidade de fazer uma proposta de partilha de 100 euros entre este e o sujeito B. B pode aceitar ou recusar a proposta de A. Se aceitar, a partilha faz-se segundo a proposta de A. Se B recusar, os 100 euros não serão distribuídos. Pela regra da equidade, A deveria propor partes iguais. É a resposta maioritária em muitos contextos culturais. Contudo, nos contextos em que a concorrência é valorizada em relação à cooperação, a frequência das respostas ditadas pelo interesse, como "80 euros para mim, A, 20 euros para ele, B", é mais elevada". ( Raymond Boudon, O Relativismo).


Aqui parece-me que o grande problema é pensar que a regra da equidade tem valência. Por que teria? Fico a pensar que é para isso mesmo que serve a moral ou a ética. "Se não dividires equitativamente os 100 euros, não és justo". Mas por que haveria o sujeito A de ser justo? Se lhe é dada a oportunidade de ter a iniciativa da proposta e estabelecida a condição de os 100 euros não serem distribuídos por ninguém em caso de recusa do sujeito B, o A apercebe-se de que está em vantagem, isto é, existe uma grande razão para o B aceitar a sua proposta: é que se recusar não receberá nada! Então tira vantagem da situação.

É o que acontece entre empregador e empregado, em situação de excesso de mão de obra. Se o candidato ao emprego recusar a proposta do empregador, fica sem nada. Em situação contrária, de falta de mão de obra, os papéis invertem-se. Aí é o candidato ao emprego que fica na posição do sujeito A. A questão da equidade só se põe, se ambos se lembrarem que a situação se pode inverter. Hoje tu és o A e levas vantagem. Amanhã serei eu... A equidade é um contrato: não te prejudico hoje para que não me prejudiques amanhã. Mas esta hipótese é idealista. O que vale é a avaliação da situação. Só numa situação em que o valor da equidade se impõe, é que o sujeito A a levará em consideração.

Mas também poderemos ver a questão da equidade de outra maneira. O sujeito A deve esperar que o sujeito B pense em termos de equidade. Levando à letra esse princípio, o sujeito A deveria propor uma partilha equitativa dos 100 euros. Só que a questão que se põe é a de saber até que ponto é que o sujeito B aceitará uma proposta iníqua, desigual. É que a sua recusa levará a que os 100 euros não sejam atribuídos a ninguèm. Ele está sob chantagem: "Ou aceitas o que te proponho ou perdes tudo." Qual a sua capacidade de cedência?

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Editorial do DN de 20 de fevereiro de 2009

O fim da era da cobiça descontrolada
As repetições são mais do que coincidências: depois da fraude Madoff, a vigarice de Stanford. Homens de alto perfil social, prestigiados por carreiras profissionais, íntimos de organizações não lucrativas, mecenas sociais ou dos desportos. Nestas fraudes, como nas de outras grandes empresas que se aventuraram pelo território inexplorado das finanças virtuais, descobertos os esquemas fraudulentos, repete-se a mesma perplexidade. Como foi possível que tudo isto se desenvolvesse até atingir a dimensão de milhares de milhões de dólares, sem que ninguém desse por nada? A resposta óbvia é que, em vários casos, houve quem denunciasse o que não tinha explicação dentro das leis e houve outros, pagos para supervisionar estes negócios, que, mesmo quando avisados, decidiram nada fazer. A corrupção está, pela certa, entranhada, em muitas instituições até agora intocáveis nos EUA, como a SEC (a equivalente à nossa CMVM). Podemos especular sobre a dimensão do que ainda se há- -de descobrir. Mas já não é lícito duvidar de que estamos a chegar ao fim de uma era, na qual a prossecução do interesse próprio apoiado na propriedade privada galgou todos os patamares da decência e responsabilidade social, transformando a actividade financeira numa versão actualizada da mais encarniçada lei da selva. Perante tudo isto, será sequer imaginável que o processo de reforma, assumido pelo G20, não ponha fim a este laxismo corrupto? E não estabeleça regras prudentes e universais que reprimam a cobiça sem freio?

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O pecado original do pacote de Barack Obama

"O pacote Obama vai falhar", dispara o economista húngaro Antal Fekete, de 77 anos, numa entrevista ao Expresso a partir de Acapulco. O programa de emergência americano aprovado este semana no Senado por um voto sofre do mesmo pecado original de anteriores, ainda que as caras tenham mudado e várias alíneas sejam diferentes. Consiste na mesma crença de verter moeda fiduciária na economia sem suporte de valor real, denuncia o professor nascido em Budapeste.
Fekete, que é matemático de formação, ironiza com a nova equipa económica e financeira de Obama. "A Sala Oval está refém de uma clique viciada numa mesma mistura de paradigmas keynesianos e monetaristas (da corrente de Milton Friedman)", afirma. Pode parecer um paradoxo, mas este cocktail vive de duas ideias para a função da "mão visível" do Estado: intervenção do braço do Estado no mercado colmatando alegadas "falhas" da procura em tempo de crise e manipulação financeira pelos bancos centrais da taxa de juro.
Fekete é um dos sobreviventes da chamada escola económica austríaca nascida em Viena no final do século XIX e que teve como fundador Karl Menger e como seguidores economistas de renome como Ludwig von Mises, o Nobel Friedrich Hayek e o próprio Joseph Schumpeter. A esta corrente sempre provocou alergia esta concepção do Estado intervencionista. Mises tinha uma frase célebre: a primeira obrigação de um economista é a de dizer aos governos o que não podem fazer.

Políticas letais na Sala Oval

As convicções dominantes em Washington são duas políticas letais, observa o professor reformado da Memorial University of Newfoundland, no Canadá, onde leccionou desde que saiu da Hungria aquando da invasão soviética de 1956. "A principal raiz das depressões não é o afundamento da procura, como sugeriu Keynes, mas a destruição de capital provocada pela deliberada supressão política das taxas de juro", explica-nos Fekete, que é considerado um dos especialistas da teoria de formação e origem dos juros. Pelo que o problema central não está na procura, no consumo, mas na "destruição de capital" ocorrida ciclicamente durante as "bolhas" e estoiros financeiros, sublinha.
Por outro lado, o mito das taxas de juro tendencialmente para zero como medicina curativa - usada, em diversas alturas, quer por Alan Greenspan como por Ben Bernanke que ainda está em exercício na Reserva Federal americana - deriva da ideia que os políticos e banqueiros centrais têm de que podem "gerir" a massa monetária a seu bel-prazer sem que haja um "sustentáculo" com real valor. Fekete recorda que "os japoneses acreditaram nos conselhos dos doutores monetários americanos" quando se viram atirados para a crise dos anos 1990 e sabe-se os resultados (negativos) dessa experiência até hoje. A "lei" de Fekete tem funcionado (ver no final).

A prenda estratégica oferecida à China

Essa tentação fiduciária agravou-se sobretudo desde o "golpe Nixon" em Agosto de 1971. O presidente americano cortou a relação do dólar com o padrão ouro, seguindo o conselho de Milton Friedman contra a opinião, por exemplo, do Nobel Paul Samuelson que defendia a desvalorização do dólar. O fecho da "janela do ouro" trouxe a euforia de dar impunemente à manivela na impressão da "nota verde". Depois, a espiral de "crédito sintético" não mais parou, recorda o nosso interlocutor que escreveu nos anos 1980 uma série de textos sobre política monetária - 'Os Dez Pilares de uma Moeda e Crédito saudáveis'.
O que isso gerou foi uma bebedeira de liquidez assente na ideia de eternamente se ficar a dever refinanciando a dívida sem planos sérios de a pagar alguma vez, acreditando na capacidade política de manter os credores na convicção da bondade do esquema. Sem temer que um dia a corda parta.
Entretanto, irónica e paradoxalmente, a liquidez artificial do consumidor americano e do estado despesista yankee nadando em moeda fiduciária provocou o inesperado: a China aproveitou a janela de oportunidade. Foi a prenda estratégica para o boom chinês e a sua enorme liquidez em dólares.Um cenário do gelado ao escaldante
Fekete é, por isso, muito crítico das sugestões, nos EUA, de se desenvolver uma política de flexibilização monetária quantitativa (tecnicamente chamada de quantitative easing), de criar recipientes financeiros para o "lixo" do sistema, designados por bad bank, ou de nacionalizar a banca socializando as asneiras. "Além do mais, isso terá efeito zero na economia, e levará à bancarrota do governo americano", diz peremptório.
O que poderá ter como consequência um cenário evolutivo que Fekete antecipa: "a economia passar de um período de deflação - em curso - para um de hiperinflação mais tarde". Ou seja passar de um banho gelado para um duche a escaldar. Uma oscilação selvagem que pode surgir de surpresa e para a qual "o mundo não está preparado", diz o professor. E em que os fantasmas de uma economia caótica como a da República de Weimar na Alemanha dos anos 1920 e 1930 vêm à lembrança.
A hipótese de um cenário desses foi, recentemente, relembrada por dois analistas londrinos da Morgan Stanley Smith Barney num relatório ambíguo intitulado "Poderá a hiperinflação acontecer de novo?" (29 de Janeiro de 2009) "Obviamente, este é um cenário extremo", dizem Joachim Fels e Spyros Andreopoulos, que o classificam como "um possibilidade distante", mas concluem: "Será avisado não ignorar este risco". Referem que "um evento do tipo cisne negro" relativo a inflação ou mesmo hiperinflação faz sentido em certas condições.
Fekete propõe, por isso, o regresso progressivo ao padrão-ouro e ao sistema de taxas de câmbio fixas "que o mundo abandonou tão loucamente em 1931 e depois em 1971". Sugere à China que seja pioneira neste plano alternativo, pois o que ela detém agora "é um pilha de títulos de dívida (americanos), que, no final, podem não valer mais do que o papel impresso em que estão". Basta que o dólar colapse e que o Governo americano seja obrigado a declarar incumprimento. Um cenário "argentino" que muitos já andam a prognosticar. Pelo que a China deveria colocar as barbas de molho - além do mais é hoje em dia o principal fornecedor de ouro do mundo, tendo ultrapassado a África do Sul em 2007, segundo a consultora inglesa GFMS.

A "lei" de Fekete

Há uma relação perversa entre a manipulação em baixa das taxas de juro pelos bancos centrais e a circulação de capital, diz o matemático Antal Fekete. Apesar de ao cidadão comum endividado parecer que os juros em queda livre lhe vão aliviar a vida, Fekete deduziu uma "lei" que os economistas keynesianos e monetaristas não gostam especialmente: "à medida que a taxa de juro decai, o valor de liquidação da dívida aumenta - em vez de o diminuir, uma taxa de juro em queda aumenta o fardo da dívida". Por isso, Fekete considera a lógica de manipulação de taxas de juro tendencialmente para zero como uma arma "letal". E, a partir do momento "em que o saldo entre o valor de liquidação da dívida e os activos ultrapassa o capital, as firmas tornam-se insolventes. É o que aconteceu aos bancos nos EUA e no Reino Unido. É o que aconteceu à indústria americana do automóvel, por exemplo", conclui.
A destruição de valor pode não ser logo óbvia a nível macroeconómico. Revela-se por outros dados chocantes em que a América actual é pródiga.
Os números falam por si:
- o agregado M3 (indicador da massa monetária total na economia, que a Reserva Federal americana deixou de publicar desde Março de 2006) no final de 2008 estava a crescer 11% ao ano, segundo a Shadowstats.com;
- por cada dólar de PIB americano é necessário "imprimir" 6 notas verdes de um dólar (ou seja, o valor real em paridade de poder de compra do actual dólar é 1/6 do seu valor nominal!);
- a pirâmide de instrumentos financeiros "derivados", em Junho de 2008 (último dado semestral conhecido), segundo o Banco Internacional de Pagamentos totalizava 683 biliões de dólares (cerca de 531000 mil milhões de euros), ou seja 11 vezes o PIB mundial. Um grupo de quatro bancos multinacionais - JP Morgan Chase, Citibank, Bank of America e HSBC - detém 24% dessa pirâmide, segundo Andrew Hughes, da Global Research. Para alguns analistas, esta pirâmide poderá ser o fósforo que incendeia a floresta em 2009;
- o défice orçamental poderá rondar os 10% do PIB americano em 2009 e 2010 e manter-se em níveis vermelhos por vários anos (muitíssimo acima do que é proibido pelas regras da Zona Euro), segundo revelou o Borrowing Advisory Committee do Departamento do Tesouro.


Actualizado do artigo publicado na edição impressa de 7/02/2009

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Notícia de palavras

"O pecado original do pacote de Barack Obama" artigo publicado por Jorge Nascimento Rodrigues, no Expresso de 9 de fevereiro de 2009, é uma notícia de palavras. Estamos habituados a notícias de acontecimentos. Acontece qualquer coisa (o acontecimento jornalístico) e um jornalista dá conta desse acontecimento, produzindo uma notícia ou uma reportagem, se for caso disso. Mas e se o acontecimento consiste nas declarações de alguém? O jornalista irá dar conta não de algo que aconteceu, mas das palavras proferidas por esta ou aquela personagem pública. Foi o que aconteceu na peça referida.

Ao obter o texto da entrevista dada por Antal Fekete


(http://www.professorfekete.com/articles/AEFHowToStopTheDepression.pdf),

ficámos na posição privilegiada de poder submeter a exame quer o texto-fonte quer o texto-final, quer a entrevista quer a notícia de palavras que dela dá conta.

Numa notícia de palavras segue-se uma técnica relativamente simples.
O jornalista pega numa das frases proferidas pelo orador e inicia com ela a notícia, tal como vemos na peça referida. Virtualmente, a frase pode ser qualquer uma. O simples destaque já lhe dá importância. Claro que a sensibilidade e a inteligência do jornalista também podem ter um papel a desempenhar. Sob o ponto de vista técnico isso é irrelevante. Se a frase escolhida é boa, se é a melhor, se é a que melhor dá conta do pensamento do orador, se é aquela que mais interessará ao público, isso é outra questão e depende mais das intenções do jornalista do que de outro motivo qualquer.

Para a continuação da notícia, vai-se intercalando o contexto com partes do discurso, recortadas e baralhadas pelo jornalista segundo a sua indiscrição e depois basta pôr um ponto final. Tudo sem esquecer o interesse jornalístico. A fidelidade ao texto-fonte é o que menos interessa. Ou dito de outro modo, está quase garantida! Afinal a peça não passa de um patchwork de citações.


O texto-fonte é desmembrado, reordenado e reduzido às frases escolhidas pelo jornalista. Não se trata de um trabalho escolar (embora me pareça que essa técnica possa e deva ser usada em contexto escolar com muito bom proveito e constitua uma excelente situação de aprendizagem). É um trabalho jornalístico e, como tal, não está necessariamente sujeito ao dever de objectividade. Normalmente, o leitor nunca disporá do texto-fonte para exercer o seu espírito crítico e o orador reduz-se à situação caricata de apenas se poder queixar de que as suas palavras foram tiradas do contexto, sem poder dizer que não disse o que disse. Quanto muito dirá que não quis dizer o que lhe fizeram dizer.

Isto não significa que o trabalho do jornalista fique isento de críticas. Sobrevoando o texto da entrevista, senti necessidade de a ler mais atentamente. A notícia de palavras não me chegou.

Ciente de todas estas características da notícia de palavras, resta-me prometer que procederei à leitura da entrevista dada por Antal Fekete: "How to stop the depression".

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Angola, os Brancos e a Independência

Já tive este livro na mão, mas ainda não o comprei e, consequentemente, ainda menos o li na íntegra. A FNAC que me perdoe, mas vou lendo-o na própria livraria. À falta da minha leitura, resta-me remeter para este blogue:


http://recordacoescasamarela.blogspot.com/2008/12/angola-os-brancos-e-independncia-gora.html

Antal Fekete

A minha última leitura foi o artigo "O pecado original do pacote de Barack Obama" de Jorge Nascimento Rodrigues, no Expresso de 7 de fevereiro de 2009.

Procurei Antal Fekete no Google e encontrei a entrevista que deu origem ao artigo: http://www.professorfekete.com/articles/AEFHowToStopTheDepression.pdf

Para mim, economia é chinês. Como poderei ler o artigo e a entrevista? Devagarinho? Com muita atenção? O que percebi percebi e o que não percebi não percebi? Façamos a experiência!

"O economista húngaro Antal Fekete discorda frontalmente do que chama un cocktail de asneiras keynesianas e monetaristas em voga na elite americana".

Começamos bem! E eu que julgava que um regresso a Keynes não seria dispiciendo!

" O pacote Obama vai falhar", dispara o economista húngaro Antal Fekete, de 77 anos, numa entrevista a partir de Acapulco. O programa de emergência americano em discussão esta semana no Senado sofre do mesmo pecado original de anteriores, ainda que as caras tenham mudado e várias alíneas sejam diferentes. Consiste na mesma crença de verter moeda fiduciária na economia sem suporte de valor real".

Disto tudo retenho "sem suporte de valor real". Se o dinheiro que vai ser injectado nos bancos, na economia, ou nas indústrias, não tiver suporte de valor real, como me parece que, de facto, não tem, começo a compreender Antal Fekete e a prestar-lhe atenção.

"Fekete, que é matemático de formação, ironiza com a nova equipa económica e financeira de Obama. "A sala Oval está refém de uma clique viciada numa mesma mistura de paradigmas keynesianos e monetaristas (da corrente de Milton Friedman)", afirma-nos. Pode parecer um paradoxo, mas esta cocktail vive de duas ideias para a função da "mão visível" do Estado: intervenção do governo no mercado colmatando as "falhas" da procura em tempo de crise e manipulação financeira pelos bancos centrais da taxa de juro".

Aqui ficamos sabendo o que já sabíamos: Em primeiro lugar, a intervenção do Estado. Não consigo é saber como é que este consegue colmatar as falhas da procura. Em segundo lugar, a manipulação da taxa de juro. Lemos isso em todas as notícias e esperamos que saibam o que estão fazendo. Saberão?

A crise parece-me um dominó imparável. O mal foi começar. Estamos a assistir a um colapso. Talvez seja fácil dizer "o colapso do capitalismo". Os despedimentos continuam. Ora isso leva a menos procura. Quem não ganha não gasta! Fekete diz-nos que

"a principal raiz das depressões não é o afundamento da procura, como sugeriu Keynes, mas a destruição de capital provocada pela deliberada supressão política das taxas de juro".

Bem, estou confuso. Se o afundamento da procura não é a causa, é uma das consequências e um elo mais na cadeia da queda do dominó. Essa da destruição de capital é que é novidade. Estou à espera de um diagnóstico da doença e já estamos na crítica à inocuidade dos placebos da cura! A supressão das taxas de juro só surgiu como tentativa de solução para a crise, creio eu. Assim , não compreendo como é que Fekete a põe na raiz das depressões. Então tudo não começou pelo incumprimento do subprime?
Bem , estou habituado a pensar que capital não é dinheiro, ou dito de outro modo, que dinheiro não é capital. Explico melhor, o dinheiro que tenho para comprar as couves não é capital, pelo menos enquanto está no meu bolso. Depois de eu comprar as couves, parte desse dinheiro, por menor que seja, já se transforma em capital. É a parte que sobra ao Belmiro e que ele investirá posteriormente. Essa parte investida pelo Belmiro só faz sentido se crescer! Se diminuir, haverá destruição do capital! Fiquei exausto, mas consegui compreender! A crise do subprime redundou em destruição de capital! E isso, segundo Fekete, é que é o fundamental.

"...o problema central não está na procura, no consumo, mas na "destruição de capital" ocorrida durante as "bolhas" e estoiros financeiros, sublinha".

Então, segundo julgo compreender, seguindo Fekete, o abaixamento das taxas de juro, que parece estimularem a procura, mais não fazem do que fazer desaparecer mais capital, isto para não falarmos do capital que se esconde! O que pode significar tanto despedimento, senão o aferrolhar, o segurar, por parte das empresas, do capital que ainda detém?

Quem tem capital segura-o. Quem não o tem aperta o cinto.

No meio disto tudo, não dá para compreender o abaixamento do petróleo nem do Euribor.

O cenário evolutivo que Fekete antecipa: " a economia poderá passar de um período de deflação --em curso-- para um de hiper-inflação mais tarde".

Nebulosamente, consigo compreender que a um período de retracção, o tal do segurar o capital, se seguirá outro, que será de capitalização rápida. Não vejo é como. Só se for por canibalismo entre capitalistas! O Zé-povinho estará depauperado e totalmente impreparado para a tal hiper-inflação!

Que mais nos espera no futuro?

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Zeh

O Zeh sou eu e é toda a gente. As leituras do Zeh. Quase as leituras do leitor, do Zeh Ninguém. Não que toda a gente leia o que este Zeh lê. Mas as leituras que qualquer pessoa poderia fazer, se escolhesse os mesmos livros que este Zeh.

Zeh com agá

Adquiri o hábito de escrever o acento com um agá. Aprendi isso no jornalismo. Os despachos de agência, à falta de acentos, passaram a usar esse artefício.

Ajuste de contas com a educação

Depois que obtive a aposentação até quero esquecer que alguma vez fui professor. De modo que estou convencido que vou escrever o meu último texto acerca desse tema. E talvez publique aqui os textos anteriores que fui escrevendo. Para que o último não seja único. Será um verdadeiro ajuste de contas.

O meu ponto de partida é muito simples: eu não percebo esta ministra da Educação! Ao fim de 36 anos de docência, chego a um ponto em que encontro alguém que me deixa atónito. Ou eu nunca percebi o que andava fazendo pelo ensino, o que até é uma possibilidade muito forte, ou esta ministra é muito esperta! Para que não se diga que eu não fiz um esforço de compreensão, aqui vão os meus pensamentos, não propriamente em sequência cronológica.

Só comecei a dar aulas depois do 25 de Abril. A escola do antes do 25 de Abril conheci como aluno. Mesmo o período imediato, na fase do saneamento dos reitores e directores, não conheci. E mal recordo a eleição do primeiro Conselho Directivo na minha escola. Desta forma distanciada e mal informada, vou caracterizar esse período como a tomada do poder da classe docente no Sistema Educativo em Portugal. As estruturas do Ministério foram remodeladas, revolucionadas. Os professores, mal ou bem, tomaram conta da casa e passaram a mandar na Educação em Portugal. A Política Educativa passou a ser delineada pela classe docente. A unificação dos cursos secundários, que teve o efeito perverso, mas não desejado nem procurado, da licealização, foi uma iniciativa docente. A profissionalização em exercício, a gestão democrática, e tantas outras, que só não enumero por ter estado sempre à margem, muito entretido com as minhas aulas.

O poder dos professores na delineação da política educativa manteve-se incólume durante muitos e bons anos.

Até que...


Veio o governo Sócrates e a ministra Maria de Lurdes Rodrigues. Deito-me a adivinhar que a equipa ministerial fez uma análise da situação. Pretendemos implementar tal política. Quais serão os nosso aliados? Quem se nos oporá? De que meios dispomos, que legislação temos que alterar? Tornou-se-lhes evidente que com os professores no poder não lhes era possível levar a cabo a política que se propunham. Assim, as primeiras medidas teriam de consistir no derrube da classe docente e na tomada de poder da educação em Portugal. Não foi por acaso que se começou por mandar regressar às escolas os professores destacados nos diversos departamentos e instituições do Ministério da Educação. As aulas de substituição valeram pelo seu simbolismo. Não é claro que esse seria um objectivo menor? Como explicá-lo? Simbolicamente foi uma maneira de dizer aos professores "Vocês já não mandam".

Depois aconteceu uma coisa que me deixou estarrecido. Sabia que o Estatuto da Carreira Docente tinha tido um tempo de gestação longo e negociado entre várias entidades e todos os partidos da Assembleia da República, resultando num consenso. Então não é que esta ministra o deita para o caixote do lixo em menos de nada e num passe de mágica tira da manga um outro Estatuto da Carreira Docente já prontinho! Onde é que ela o foi desencantar?

Para a implementação da sua política era necessário dispor de um corpo de funcionários. Como recrutá-los? Aqui surge o ovo de Colombo: na própria classe docente! Como explicar de outro modo os professores titulares? Os professores titulares são os novos funcionários do sistema educativo português. São eles que vão levar a cabo a política educativa delineada pelos novos poderes da educação. Muitas das pessoas poderão ser as mesmas, mas a estrutura é outra. Já não a Gestão Democrática, seja lá o que isso significa, mas o Ministério da Educação à moda antiga. Também nesse tempo o recrutamento se fazia no seio da classe docente. Parece a mesma coisa, mas não é. O poder já não é dos professores e estes são apenas subordinados, que se querem obedientes e cumpridores da política delineada por outrem. Os professores titulares são mais titulares do que professores.

Quanto à avaliação de professores, como já não estou sujeito a tal processo, estou à vontade para dizer o que penso. Comigo a má consciência em relação à avaliação não pega. A avaliação de professores só serve como instrumento de controle do corpo de professores. O resto é conversa.

Mas afinal qual é a política do ministério de educação que nem sequer ousa dizer o seu nome?

O modelo de avaliação vem do Chile. Talvez isso seja significativo. Não é muito difícil concluir que se trata de uma política neo-liberal na educação. Por mim, não quero pronunciar-me acerca do que desconheço. Iria apenas ver se me informava acerca dessa política, se nisso tivesse interesse. Mas dá-se o caso de nem sequer querer saber nada disso. Tenho mais o que fazer. Sorte minha.

Tirar proveito de leituras com as quais não se concorda

Gabo-me de conseguir ler livros com os quais não concordo. Já li um livro acerca do anti-americanismo: "Obsessão antiamericana" , de Jean-François Revel. Já li "O Cálculo e a Razão", de Jean-Claude Gardin. Agora estou a ler "O Relativismo", de Raymond Boudon. Não concordo com as teses desses autores, mas consegui lê-los e encontrar em cada um o erro de que partem. De qualquer modo, quer com elas concorde quer não, vou dar conta aqui das minhas leituras.
A leitura de obras com as quais em princípio não se concorda, quando possível (alguns livros apresentam ideias que nos são tão estranhas que a sua leitura se torna penosa, senão mesmo impossível), pode revelar-se estremamente útil. Por um lado leva-nos a aguçar o nosso espírito crítico, por outro faz-nos meditar em objecções ao nosso próprio pensamento, reforçando-o ou levando-nos a reformulá-lo.
Mas a par destas leituras, também não deixarei de fazer aquelas que contribuiram mais directamente para a minha formação enquanto pessoa. Provavelmente este blogue só terá um leitor: eu. Já como professor eu tinha um aluno ideal: eu. Convenhamos que não seria propriamente o aluno típico. Com este bogue passa-se o mesmo. Só espero que haja quem tenha a capacidade de ler e de tirar proveito dele, concorde ou não.